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Por que há bares e restaurantes que preferem não abrir as portas?
Horário reduzido, gastos que não compensam e até insegurança sanitária explicam baixa adesão à flexibilização. Mas quem se adaptou durante a quarentena nem cogita ficar fechado, como a hamburgueria Los Pepes (acima)
Parados por mais de 90 dias, os bares e restaurantes da capital paulista amargaram perdas entre 70% a 100% nesse período, segundo a Abrasel (a associação do setor). Diante dessa queda no faturamento, era de se esperar que os empresários estivessem ansiosos para reabrir assim que viesse a liberação.
Curiosamente, o comportamento foi o oposto: a Abrasel constatou que mais da metade (59%) preferiu continuar de portas fechadas, segundo levantamento realizado nos dias 6 e 7, portanto, após a liberação para reabertura dos estabelecimentos do setor em São Paulo. Quando o recorte é feito apenas entre bares, o número é ainda maior: 80% preferem manter as portas baixadas.
Vários fatores têm pesado na decisão de reabrir ou não, e um deles é horário reduzido, das 11h às 17h. As restrições tornam a operação mais cara e o faturamento menor, diz Percival Maricato, presidente da Abrasel.
Segundo ele, a medida inviabilizou o negócio de quem serve café da manhã e para quem está no ramo de pizzarias ou bares, que têm maior concentração de atendimento no período da noite.
"O que reivindicamos é que a abertura pelo período de seis horas seja flexibilizada, de acordo com o perfil do estabelecimento - como é o caso dos bares à noite, por exemplo", afirma Maricato.
Também aumentou a insegurança do empresário, que não sabe se o cliente vai aparecer, e teme aumento do risco de contágio, fazendo com que a prefeitura volte atrás e ele tenha que fechar de novo.
A pesquisa Abrasel mostra ainda que a situação dos bares e restaurantes em São Paulo continua complicada. Do total, 55% das empresas trabalham com menos de 60% dos funcionários de antes da quarentena. Entre os que avaliam recontratar, apenas 16% dizem que podem voltar a ter o mesmo quadro de antes.
"O resultado é preocupante, pois muitos já fecharam as portas e, à medida em que essa situação se prolonga, vai aumentar o desemprego em um setor intensivo em mão de obra", diz Marcel Solimeo, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP). "Além disso, há uma rede de fornecedores sendo afetada."
COM O MENOR RISCO POSSÍVEL
Contrários à reabertura, Gérson Higuchi, dono do Apple Wood Steak Bar e do Nobuyuki Asia Kitchen, no Jardim Anália Franco (na Zona Leste), e Pedro Casarin, sócio-proprietário do Bar das Patroas, no Itaim Bibi (Zona Sul da capital paulista), são exemplos de como empresários do setor têm encarado a flexibilização.
Com maior demanda à noite e aos finais de semana, atravessaram a quarentena cada um a seu modo, mas são unânimes em optar por manter os estabelecimentos de portas fechadas. Pelo menos por enquanto.
Higuchi, que unificou as cozinhas dos dois restaurantes num único endereço no início da pandemia para diminuir custos de operação, apostou no delivery. Com queda de 67% no faturamento, precisou demitir 16 dos 20 funcionários.
"Optei por não reabrir agora pelo lado humano", afirma. "Não tem cabimento fazer o funcionário pegar horário de pico para abrir o salão do restaurante às 8h sendo que, ao meio-dia, em dois minutos, montamos o delivery."
O delivery, aliás, que representava 7% do negócio, agora, é 100%. "Adotamos estratégias certeiras para que ele vingasse. Também renegociamos com fornecedores, e consigo pelo menos pagar contas e salários em dia."
Hoje, para abrir o salão, segundo Higuchi, seria preciso atingir determinado faturamento e seguir muitas regras - o que tornaria a operação inviável. "Fizemos uma pesquisa informal com nossos clientes e 85% não estão dispostos a sair. Outros estão no grupo de risco, ou sem dinheiro, ou têm medo do 'corona', mesmo."
Com o inverno e o aumento do risco de um pico de piora no contágio, o empresário afirma que é melhor deixar como está: quem abre com 40% de ocupação, seguindo as regras, contratando pessoas e aumentando estoque, está faturando 10% do normal. "Isso é assinar o atestado de óbito da empresa", acredita.
Faturando entre 60% e 70% do normal, a expectativa de Higuchi é reabrir só no fim do ano, com segurança para os clientes frequentarem sem medo. "Só vou reabrir quando minha mãe puder entrar aqui!", destaca.
EXPECTATIVAS DISTANTES
Forte nos happy hours com música ao vivo, que viravam baladas às sextas e fins de semana, e focado na experiência do cliente, o Bar das Patroas vive uma situação delicada com as medidas para evitar aglomeração.
No princípio da pandemia, fechou todas as atividades, mas as reservas financeiras ajudaram a manter os 50 funcionários e as contas em dia. Mas também não criou alternativas, como delivery ou venda de vouchers.
"Nosso bar sempre abriu a partir das 18h, com grande movimento após as 21h30. Achamos inviável mudar um hábito que demoramos muito tempo para construir entre nossos frequentadores", diz Pedro Casarin.
Como quase ninguém frequentaria o bar no horário permitido (das 11h às 17h) e só de segunda a sexta-feira, o empresário acredita que o prejuízo da reabertura seria muito maior do que mantê-lo fechado.
"Ainda contamos com a incerteza de reabertura total, e o governo podendo, a qualquer momento, voltar a cidade pra fase vermelha", diz. "Num momento de incertezas, qualquer movimentação errada pode ser fatal."
Mesmo com queda de 100% nas receitas e sem recuperação pois estão inoperantes, segundo Casarin, fechar o Bar das Patroas definitivamente nunca passou pela cabeça dos sócios, garante o empresário.
"Acreditamos muito no nosso negócio e somos muito benquistos pelos nossos clientes, que têm demonstrado muito apoio através de mensagens nas redes sociais, esperando nossa volta", conta.
Também está confiante na volta ao normal - mesmo com as dificuldades financeiras e nenhum apoio do governo facilitando linhas de crédito.
E com foco maior no modelo bar, trazendo novos drinks e dando mais ênfase à gastronomia. "Porque a parte balada do negócio... não temos expectativa alguma de quando irá voltar."
NA CONTRAMÃO
Mas há quem não parou desde o início da pandemia - como é o caso da Los Pepes, uma pequena, porém disputada hamburgueria próxima ao Metrô São Bento, no Centro da capital paulista. Seguindo o caminho oposto, os proprietários Darinka Zepeda Furtado e o marido, o chef Fábio Franze Furtado, decidiram abrir. Mesmo durante a quarentena.
A despeito da pouquíssima movimentação no entorno, a Los Pepes ficou parada só 15 dias no início da pandemia. Pesou na decisão a queda de 70% no faturamento após a implantação das medidas restritivas.
“Sempre preferimos abrir por sermos pequenos, e no começo eu e meu marido conseguimos atender o movimento”, conta Darinka, que afastou sua única funcionária, Paloma, nesse período.
Com clientela formada por funcionários de lojas e escritórios da região, o take away (retirada no balcão) respondia por 90% da operação antes da pandemia. Já os 10% restantes eram relativos ao delivery.
Observaram quais prédios do entorno tinham mais circulação de pessoas trabalhando, e passaram a panfletar e apresentar a hamburgueria todos os dias, no início do expediente. E então, a situação se inverteu.
“Entendemos que a única forma de sobreviver seria o delivery, e ele virou 90% do nosso negócio”, conta.
A pandemia, segundo Darinka, serviu para abrir outra oportunidade não-explorada, e se hoje boa parte dos seus clientes estão em home-office, “conquistamos clientes novos, que aumentaram o delivery em 70%.”
Certos de que a quarentena seria passageira, e em condições de suportar o período financeiramente, a melhora gradual do movimento fez com que Darinka e Fábio chamassem Paloma de volta.
E reabriram para o público após a flexibilização. “Para todo game over, sempre tem um play again. Em breve, tudo voltará ao normal - e com mais clientes que conquistamos por causa da pandemia”, afirma.